ampliar o ângulo aparente submetido na observação de um objeto distante e;
elevar a quantidade de luz que atinge o olho do observador.
Como resultado direto da primeira função, a imagem de um planeta parece maior através do telescópio, mesmo que seja observada no foco primário, sem nenhuma ocular; e como resultado da segunda função, o brilho do planeta ou estrela é mais maior do que o mesmo objeto observado a olho nú.
Todo sistema óptico é baseado na refração e/ou reflexão da luz (Figura 1). A luz pode ser considerada um fenômeno ondulatório ou corpuscular. Na maioria das aplicações ópticas, a luz é considerada um fenômeno ondulatório de modo que os cálculos e projetos de um sistema óptico é baseado na óptica geométrica, considerando a luz como um feixe de raios em linha reta em um sistema desobstruído.
Figura 1. Refração da luz ao passar de um meio menos denso (ar) para um meio mais denso (vidro)
Entretanto, a luz ao atravessar de um meio para outro, por exemplo, do ar para o vidro, tem sua direção de propagação alterada. Isso ocorre porque a velocidade de propagação da luz no vidro é menor do que no ar. A quantificação desta alteração, é denominada de índice de refração (nd) e é inversamente proporcional a velocidade da luz no meio considerado e a velocidade da luz no vácuo. Assim, o índice de refração da luz é exatamente a unidade (um) para o vácuo. Em qualquer outro meio, o índice de refração será diferente de 1 (um). Por exemplo, o índice de refração do ar é 1.00029; da água purificada, nd é 1.33 e o nd para o vidro soda-lime comum é 1.51. Todo meio óptico possui seu próprio índice de refração e este é dependente do comprimento de onda da luz que o atravessa.
Willebrord Snell ao estudar a refração da luz no início do século XVII, postulou uma correlação simples entre o ângulo do raio incidente com a “normal” à superfície (e) e o ângulo do raio refratado (e'), que ficou conhecida como Lei de Snell (Equação 1):
Equação 1 . Lei de Snell.
onde n e n' é o índice de refração dos dois meios.
A reflexão segue uma lei mais simples do que a refração: o ângulo do raio incidente é igual ao ângulo do raio refletido. Matematicamente:
Observe que o sinal do ângulo de reflexão é negativo. Podemos considerar a reflexão como um caso especial da refração onde os índices de refração dos dos meios é igual, isto é:
O fenômeno da refração ocorre a princípio porque a velocidade da luz varia com a mudança de meio, de forma que o índice de refração n é definido como a relação entre a velocidade da luz no vácuo (c) e a velocidade da luz nesse meio (v). Como consequência direta dessa definição o índice de refração será uma função do comprimento de onda; o que irá ocasionar o fenômeno da dispersão, que pode ser visualizado, por exemplo, através do arco-íris no qual a luz do Sol é decomposta nas cores que a compõem depois de atravessar gotículas de água.
Telescópios refratores, como o de Galileu, empregam uma lente como objetiva e uma segunda lente menor, diametralmente oposta, como ocular (Figura 2). Em geral a objetiva mais simples seria uma lente biconvexa. Esta lente ao receber os raios luminosos provenientes do objeto, os desvia pelo fenômeno da refração para um ponto conhecido como ponto focal ou simplesmente foco, onde se forma a imagem ampliada do objeto. A segunda lente (ocular) funciona como uma lupa que amplia e nos permite examinar a imagem formada.
Figura 2. Arranjo simples de um telescópio refrator.
Um dos problemas principais nessa arquitetura, é oriundo justamente do fenômeno de refração da luz utilizado para formar a imagem no foco. Como a refração da luz é dependente do seu comprimento de onda, diferentes comprimentos de onda originam diferentes pontos focais (Figura 3):
Figura 3. Aberração cromática.
O resultado na imagem final obtida de um sistema com aberração cromática, pode ser observado na Figura 4. A aberração cromática, além de introduzir essas falsas cores, também reduz a resolução da imagem.
Figura 4 . Imagem com aberração cromática. Imagem obtida através de um refrator Meade Polaris 60-EQ (F = 900 mm, D = 60 mm), Barlow Televue 1.8, 3244 frames, NexImage CCD. Crédito: Harald Martin
Telescópios, e a maioria dos sistemas ópticos, são construídos com mais de um elemento óptico. O objetivo e obter um tubo óptico de menor comprimento ou uma posição da imagem mais favorável. Entretanto, a razão mais importante para estes sistemas serem projetados com mais de um elemento óptico é oferecer maior versatilidade no controle das aberrações da imagem.
A óptica de primeira ordem, uma abordagem simplificada e idealizada para sistemas compostos de múltiplo elementos ópticos, lida com os raios de luz e imagens bastante próximos do eixo óptico, também denominada de região paraxial. Os elementos do sistema óptico, nesta abordagem, possuem superfícies rotacionalmente simétricas e compartilham de um eixo comum de rotação, chamado de eixo óptico. Os elementos ópticos (espelhos e lentes) são assumidos serem infinitamente finos, evitando as complexidades encontradas em sistemas reais.
Naturalmente, no mundo real essa abordagem, apesar de útil, não representa o que realmente ocorre, mas é importante como um ponto de partida para os cálculos embora não apresentem a precisão necessária ao projeto ou análise do sistema óptico. Sistemas ópticos reais possuem grandes aberturas e a superfície focal não é usualmente plana mais curva e aberrações da imagem podem e vão ocorrer. Na óptica de primeira ordem, a difração da luz também é ignorada.
A aberração cromática é uma de muitas aberrações ópticas que podem ocorrer em sistemas ópticos e não pode ser eliminada, mas atenuada a níveis aceitáveis de modo a não comprometer o estudo do objeto sob observação. A técnica mais simples consiste em utilizar duas ou mais lentes com índices de refração diferentes em lugar de apenas uma lente como objetiva do telescópio.
O telescópio que emprega duas lentes como objetiva é conhecido como dubleto acromático. Cada lente é composta de um tipo de vidro diferente e, consequentemente, índices de refração diferente. Os vidros mais comuns utilizados nesse tipo de projeto são o vidro tipo Crown e o vidro tipo Flint.
Os vidros Crown possuem índices de refração entre 1.5 a 1.6, enquanto que os vidros tipo Flint podem atingir valores na faixa de 1.75. Os vidros Flint possuem elementos pesados como chumbo em sua composição e muitas vezes são denominados de vidro Flint pesado ou extra denso. Como as propriedades de um vidro do tipo Crown é complementar ao vidro tipo Flint, estes são frequentemente utilizados em dubletos para correção da aberração cromática. Por exemplo, uma lente Cronw fortemente positiva com sua baixa dispersão pode ser usada junto a uma lente Flint negativa com alta dispersão para correção da aberração cromática Figura 5).
Figura 5. Arranjo para correção da aberração cromática utilizando duas lentes cimentadas, formando um dubleto (acima a direita) compostas de vidro Crown e Flint, utilizado nos modernos refratores acromáticos (abaixo a direita).
Como pode ser observado na Figura 5, a correção efetuada pelo dubleto Crown/Flint, é mais acentuada no comprimento de onda azul e vermelho. Os demais comprimentos de onda continuam realizando foco em seus pontos originais parcialmente deslocados, mas não no mesmo ponto dos comprimentos de onda azul e vermelho. Esse efeito será tão mais presente quanto menor for a razão focal do dubleto. Por exemplo, um refrator acromático com uma razão focal F/5 apresentará muito mais aberração cromática residual do que o mesmo refrato com uma razão focal F/12.
Como a razão focal é correlacionada com a abertura da objetiva, a pergunta imediata é: qual seria a razão focal ideal para uma objetiva com determinada abertura?
Em dubletos convencionais, a aberração residual é aceitável quando o cromatismo azul e vermelho não excede três vezes o diâmetro do disco de Airy no comprimento de onda verde. O diâmetro do disco de Airy no comprimento de onda verde é:
Desde que a diferença na distância focal é tipicamente 0.0005f quando a objetiva é focalizada para a luz verde, o cromatismo circular da luz azul e verde terá um diâmetro de 0.0005D. Assim:
A razão focal mínima (Nmin) de um refrator com uma objetiva acromatica de 100 mm deve ser de 12.2 (F/12.2) para que o cromatismo residual seja imperceptível. Isso está resumido na Figura 6.
Figura 6. Razões focais para refratores de 60 a 152 mm de abertura. Em verde, nenhuma ou mínima aberração cromática residual. Em amarelo, razões focais que geram aberração cromática passíveis de correção com filtros adequados e, em vermelho, razões focais com cromatismo inaceitável.
Da figura acima, podemos verificar facilmente que um refrator de 120 mm de abertura com uma razão focal de F/8.3, irá apresentar um cromatismo residual que pode ser filtrado com um filtro redutor violeta (e.g., semi-apo ou Fringer Killer (Baader)).
Naturalmente, pode-se corrigir a aberração cromática em diversos níveis; isto é, o grau de correção atingido pode variar de acordo com o material empregado na construção do dubleto ou mesmo no número de componentes da objetiva (tripletos e quadripletos), sua arquitetura e todos esses fatores operando conjuntamente. Por outro lado, o aumento da complexidade e dos materiais envolvidos na construção, eleva de maneira exponencial o custo do telescópio que pode variar de cinquenta dólares, por exemplo, o Celestron Travel Scope 50 Portable Telescope; a mais de 150 mil dólares, como o Takahashi FET-200 Fluorite ED Triplet.
Refratores Semi-apocromáticos
São refratores que ainda utilizam uma objetiva dubleto, tendo um dos componentes construído em vidro de dispersão extra baixa (ED) ou ambos os componentes. Em geral são telescópios com aberturas até 100 mm. Acima deste valor, uma terceira lente é adicionada, formando um tripleto, e os fabricantes chamam estes modelos de apocromáticos.
Este tipo de telescópio apresenta uma correção da aberração cromática excepcional e um elevado contraste de imagem. Entretanto, seu custo, comparado com um refrator acromático de mesma abertura, pode ser três vezes maior.
Estes telescópios são o "top" de linha dos refratores. A tecnologia empregada em sua construção pode envolver o uso de vidros de baixíssima dispersão, objetivas de tripletos, lentes adicionais para correção de campo e outras. Geralmente, um telescópio refrator apocromático é composto por três elementos na objetiva, formando um tripleto. O desenho de um refrator tipicamente apocromático pode ser visto na Figura 8.
Figura 8. Imagem de uma objetiva tripleto apocromática. Em geral, o componente central é substituído por um elemento de baixa dispersão, no lugar de se utilizar o vidro Flint. Esse componente pode ser uma lente a base de fluorita ou outro.
Takahashi Seisakusho é um fabricante japonês de telescópios e acessórios. Foi pioneiro no uso de cristal fluorita no lugar do vidro na confecção de objetivas para telescópios. Cristal fluorita é um tipo especial de vidro de alto desempenho contendo flúor, em geral fluoreto de cálcio, e não o cristal fluorita encontrado na natureza.
Takahashi tornou-se sinônimo de refratores apocromáticos por usar suas objetivas com cristal fluorita. Atualmente, a empresa já utiliza outros materiais no lugar da fluorita por questões de custo de produção como, por exemplo, o vidro de baixa dispersão FPL-53 da Ohara Optical. Seus telescópios são dispendiosos e há modelos destinados ao uso em observatórios com 200 a 300 mm de abertura.
Apocromático significa "livre de cores espúrias"; isto é, um sistema refrator sem os halos violeta da luz fora de foco que podem ser observados ao redor de planetas, da Lua e todas as estrelas brilhantes em um refrator acromático comum.
Vidros de dispersão normal, os quais possuem uma redução no índice de refração quase linear com o aumento do comprimento de onda, são utilizados para produzir as objetivas acromáticas. Somente dois comprimentos de onda podem possuir o mesmo foco e o restante do espectro secundário produzirá franjas esverdeadas ou violetas nas bordas da imagem. As objetivas apocromáticas de alta qualidade utilizam vidro de dispersão parcial onde o índice de refração se altera com o comprimento de onda mais rapidamente na região do azul ou do vermelho. Como resultado, os apocromáticos possuem um alto grau de correção o qual pode levar até quatro comprimentos de onda para o mesmo ponto focal.
O diagrma na Figura 9 mostra as diferenças na correção de cores entre um vidro óptico BK7 (Crown) em vermelho, uma lente ED (extra-low dispersion) em azul e uma lente de fluorita, em verde. Quanto menor o afastamento do ponto de foco ideal (zero), menor será a aberração cromática e melhor a correção para um comprimento de onda espeçifico. Pode-se observar que a linha verde da lente de fluorita revela um menor desvio e uma excepcional correção da aberração cromática; entretanto, ela não foi totalmente eliminada, mas fortemente atenuada.
Figura 9. Comparação entre a correção do cromatismo entre três tipos de lentes para telescópios refratores.
Pontos Favoráveis e Desfavoráveis dos Telescópios Refratores
Não há um telescópio ideal. Todos vão ter pontos favoráveis e desfavoráveis e cada um irá se adequar melhor a um determinado objetivo. Como pontos favoráveis ao uso de refratores:
São equipamentos robustos e exigem pouca atenção no seu manuseio e transporte;
Uma vez colimados, dificilmente perdem sua colimação. Entretanto, a colimação de um refrator é um processo simples que pode ser efetuado com auxílio de uma ocularCheshire;
Não apresentam nenhum tipo de obstrução central, como ocorre nos telescópios newtonianos.
Como pontos desfavoráveis:
Apresentam aberração cromática, principalmente nos modelos mais baratos e populares.
A correção da aberração cromática exige tecnologia que eleva o custo do produto de maneira exponencial, tornando-o muitas das vezes proibitivo.
Os tubos longos e aberturas maiores tornam o telescópio muito pesado, exigindo montagens mais robustas para sustenta-los.
Como a luz atravessa o elemento principal (objetiva), este deve ser de alto grau de pureza e qualidade elevada. Tensões, bolhas ou outros defeitos, por mínimos que sejam, comprometem violentamente o desempenho do telescópio.
Como a maioria dos refratores tem sua objetiva na extremidade do tubo, esta é mais sujeita ao orvalho e poeira. Todos os refratores apresentam um protetor de orvalho, mas atenção especial deve ser dado a objetiva após o uso do telescópio, de modo que, ao guarda-lo, não se tenha umidade depositada sobre a objetiva que pode vir a favorecer o aparecimento de fungos.
Figura 10. Takahashi FET-200 ED Triplet, Sky-Watcher Pro 100 ED APO Refractor Telescope (dubleto), Celestron 120 F/8.3 Refractor Achromatic (dubleto). Galáxia de Andrômeda através de um Takahashi TOA 130S (Crédito: Takayuki Yoshida).